3.12.08

Saúde não é mercadoria

Uma sociedade saudável é uma sociedade igualitária, solidária e democrática


O Movimento pela Reforma Sanitária, no contexto de luta pela democracia, foi um campo que se destacou pelas formulações, proposições e inovação na forma de se fazer política; um movimento democrático, com capilaridade, coerente com suas proposições. A Reforma Sanitária foi e continua sendo uma proposta, um processo de transformação da sociedade trazendo, em sua concepção, o modelo de democracia ligado à utopia igualitária; o reconhecimento da determinação social do processo saúde-doença e com ela a denúncia da exploração sofrida por nosso povo; crítica as práticas hegemônicas de saúde, apontando para a possibilidade de construção de uma nova maneira de produzir saúde que aposta na construção de sujeitos políticos autônomos como parte fundamental deste projeto.


A partir da unificação de bandeiras como a luta pela redemocratização do país e a crítica do sistema previdenciário de saúde vigente, os militantes da reforma sanitária conseguiram incluir na Constituição Federal de 1988 o direito de todos à saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) é instituído com os princípios de universalidade, participação social, atenção integral, solidariedade e justiça social. Mais do que um projeto para a saúde, o SUS desenha um modelo de sociedade. Sua proposta de reforma do Estado, democrática e popular, acena para a construção de uma sociedade justa, democrática, igualitária e participativa.


A participação popular, instrumentalizada através do controle social, representa uma completa reconfiguração na estrutura institucional brasileiro. Nasce a partir de um movimento com a concepção de que a população deve exercer o controle do Estado e contribui com a formulação de políticas que respondam as suas necessidades. O setor de saúde apresenta hoje a estrutura de participação e controle social mais ampla entre todas as áreas do país.


20 anos depois, a luta da Reforma Sanitária continua atual, os desafios são muitos...


Existe uma disputa na sociedade em relação a compreensão da saúde como um direito. O sistema privado, as indústrias farmacêuticas e modelo médico-hegemônico de formação e gestão operam na lógica de perpetuação da concepção de uma visão equivocada de saúde voltada para o consumo de serviços médicos, procedimentos e medicamentos, gerando, além de forte acumulação de capital às custas da saúde da população, um processo sem precedentes de medicalização, de normatização da vida social – conformando o que Foucault chamou de indivíduos "úteis e dóceis".


Os meios de comunicação propagam ataques ao Sistema Único de Saúde responsabilizando-o pelos problemas de saúde da população brasileira. Não é incomum sermos bombardeados diariamente por notícias sobre o mau funcionamento do SUS, pela incapacidade do Estado em gerenciar sistemas e serviços de saúde, mostrando-nos como exemplo as filas em hospitais. Como solução, apontam unicamente para propostas privatizantes de administração, como a abertura de dupla porta e a criação das organizações sociais (OSs) e organizações sociais de interesse público (OSCPIs), inclusive em hospitais de ensino.


Revolucionar a saúde no Brasil baseia-se no fortalecimento do SUS reafirmando os princípios da Reforma Sanitária de universalidade, democracia e participação popular, desconstruindo os ataques que lhe são direcionados, tanto pela mídia conservadora, como pelo sistema privado e indústrias farmacêuticas. Nosso desafio é construir uma hegemonia usuário centrada desconstruindo a concepção que vê saúde como uma mercadoria.


Reafirmamos o SUS como uma grande conquista da população brasileira e propomos ações que avancem na sua consolidação.


1. assegurar um financiamento estável para o SUS – garantindo a aprovação da regulamentação da Emenda Constitucional 29;

2. regulação dos seguros e planos de saúde

3. aprofundar os mecanismos de controle social enraizando o modelo democrático e participativo idealizado pela Reforma sanitária;

4. controle público das pesquisas;

5. fim das propagandas de remédios e indústrias farmacêuticas;

6. garantir o efetivo acesso da população em todo território nacional;

7. o fim de qualquer discriminação no atendimento no SUS;

8. garantir um modelo de gestão articulado, comprometido com a pluralidade cultural, respeitando as diferenças étnico-raciais, de gênero e orientação sexual;

9. garantir uma efetiva integração em rede proporcionando respostas concretas para as necessidades das e dos usuárias e usuários;

10. políticas de direitos sexuais e reprodutivos com o objetivo de construir a autonomia das mulheres;

11. leitos 100% SUS nos Hospitais Universitários, fim da dupla porta;

12. legalização do aborto;

13. garantir a reorientação da formação dos profissionais de saúde a partir das necessidades do Sistema Único de Saúde, avançando na formação de futuras e futuros profissionais de saúde comprometidos com os princípios do SUS.


Ana Pimentel é Diretora de Mulheres da UNE, militante da Kizomba e Marcha Mundial das Mulheres

Beatriz Selles é estudante de medicina da Universidade Federal Fluminense, militante da Kizomba

Rodrigo Oliveira - diretor do Cebes - Centro Brasileiro de Estudos de Saúde.

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