3.12.08

Introdução: tudo por culpa do feminismo*

Os avanços e recuos das mulheres são geralmente descritos em termos militares: batalhas vencidas, batalhas perdidas, posições e territórios conquistados ou cedidos. A metáfora do combate não deixa de ter os seus méritos neste contexto e, obviamente, o mesmo tipo de relato e de vocabulário já deve estar aparecendo aqui. Mas ao imaginarmos o conflito em termos de dois batalhões claramente postados cada um do seu lado, estaríamos esquecendo a natureza tortuosa e intrincada de uma "guerra" entre as mulheres e a cultura machista em que elas vivem. Estaríamos esquecendo a natureza reativa de um backlash que, por definição, só pode existir como resposta a outra força.

Quando o feminismo está em baixa, as mulheres assumem o papel reativo - lutando isoladamente e quase sempre às escondidas para se afirmarem contra a onda cultural dominante. Mas quando o próprio feminismo se torna a onda, para a oposição a recíproca não é verdadeira: ela finca o pé, agita os punhos, constrói muralhas e represas. E a sua resistência cria traiçoeiras ressacas e conflitantes correntezas.

Os avanços e recuos das mulheres são geralmente descritos em termos militares: batalhas vencidas, batalhas perdidas, posições e territórios conquistados ou cedidos. A metáfora do combate não deixa de ter os seus méritos neste contexto e, obviamente, o mesmo tipo de relato e de vocabulário já deve estar aparecendo aqui. Mas ao imaginarmos o conflito em termos de dois batalhões claramente postados cada um do seu lado, estaríamos esquecendo a natureza tortuosa e intrincada de uma "guerra" entre as mulheres e a cultura machista em que elas vivem. Estaríamos esquecendo a natureza reativa de um backlash que, por definição, só pode existir como resposta a outra força.

Quando o feminismo está em baixa, as mulheres assumem o papel reativo - lutando isoladamente e quase sempre às escondidas para se afirmarem contra a onda cultural dominante. Mas quando o próprio feminismo se torna a onda, para a oposição a recíproca não é verdadeira: ela finca o pé, agita os punhos, constrói muralhas e represas. E a sua resistência cria traiçoeiras ressacas e conflitantes correntezas.

A força e o furor do contra-ataque antifeminista agitam-se por baixo da superfície, quase sempre invisíveis para a maioria. Na última década, houve ocasiões em que se tornaram visíveis. Já vimos políticos da Nova Direita condenando a independência das mulheres, manifestantes contra o aborto jogando bombas incendiárias em clínicas, pregadores fundamentalistas condenando as feministas como "prostitutas" e 'bruxas". Outros sinais da fúria do backlash, devido à própria brutalidade, podem às vezes chegar até a consciência do público - o repentino aumento dos casos de estupro, por exemplo, ou o crescente sucesso da pornografia que exibe extrema violência em relação às mulheres.

Estes fatos estão todos relacionados entre si, mas não quer dizer que sejam coordenados. O backlash não é uma conspiração, com um conselho emanando ordens de uma sala de controle central, e as pessoas que se prestam aos seus fins muitas vezes nem estão conscientes dos seus papéis; algumas até se consideram feministas. Na maioria dos casos, as suas maquinações são disfarçadas e ocultas, impalpáveis e camaleônicas. E tampouco podemos dizer que todas as manifestações do backlash tenham o mesmo peso e o mesmo significado; muitas não passam de coisas efêmeras, geradas por uma máquina cultural que está continuamente à cata de "novos" ângulos. Considerados em conjunto, entretanto, todos estes códigos e bajulações, estes murmúrios e ameaças e mitos, levam irreversivelmente numa única direção: tentar mais uma vez prender a mulher aos seus papéis "aceitáveis' - seja como filhinha de papai ou criaturinha romântica, seja como procriadora ativa ou passivo objeto sexual.

Embora o contra-ataque antifeminista não seja um movimento organizado, nem por isso deixa de ser destrutivo. Com efeito, a falta de coordenação, a ausência de uma única liderança só servem para torná-lo menos visível - e talvez mais eficiente. Um backlash contra os direitos da mulher tem sucesso na medida em que parece não ter conotações políticas, na medida em que se mostra como tudo, menos uma luta. Ele é tanto poderoso, quanto mais consegue transformar-se numa questão privada, penetrando na mente da mulher e torcendo a sua visão para dentro, até ela imaginar que a pressão está toda na cabeça dela, até ela começar a impor as regras do backlash a si mesma.

Nos anos 1980, o backlash andou pelos subterrâneos secretos da cultura, circulando nos corredores da bajulação e do medo. Ao longo do caminho usou vários difarces: desde a máscara de uma condescendente ironia até a expressão sofrida da "profunda preocupação". Os seus lábios demonstram piedade por qualquer mulher que não se enquadre na moldura, enquanto procura prendê-la na moldura. Professa uma estratégia de cizânia: solteiras contra casadas, mulheres que trabalham fora contra donas de casa, classe média contra operárias. Manipula um sistema de punição e recompensa, enaltecendo as mulheres que seguem as suas regras, isolando as que desobedecem. O backlash revende velhos mitos sobre as mulheres fazendo-os passar por fatos novos, ignorando qualquer apelo à razão. Acuado, nega a sua própria existência, levanta um dedo ameaçador contra o feminismo e procura desaparecer nos subterrâneos.

Culpar o feminismo pela "vida inferior" das mulheres significa não entender nada do movimento feminista, que se propõe oferecer às mulheres um leque maior de experiências. O feminismo continua sendo um conceito bastante simples, apesar das repetidas - e extremamente eficazes - tentativas de pintá-lo com cores sombrias transformarem suas defensoras em verdadeiras gárgulas. Como escreveu Rebecca West ironicamente em 1913: "eu mesma nunca cheguei a entender direito o que quer dizer feimnismo: só sei que as pessoas me chamam de feminista toda vez que expresso sentimentos que me diferenciam de um capacho".

Na verdade, o sentido da palavra "feminista" nada mudou desde que apareceu pela primeira vez numa resenha literária publicada na Athenaeum, em 27 de abril de 1895, descrevendo uma mulher que "tem nela a capacidade de lutar para chegar à sua própria independência". É a proposta básica feita por Nora, há um século, em Casa de Bonecas, de Ibsen, "antes de mais nada, eu sou um ser humano". É simplesmente o cartaz que uma mocinha segurava em 1970 durante a Greve das Mulheres pela Igualdade: EU NÃO SOU UMA BONECA BARBIE. O feminismo pede que o mundo finalmente reconheça que as mulheres não são elementos decorativos, biscuits preciosos, membros de um "grupo de particular interesse". Elas são merecedoras de direitos e de oportunidades, tão capazes de participar dos acontecimentos mundiais quanto os homens. O programa feminista é muito simples: pede que as mulheres não sejam forçadas a "escolher" entre justiça pública e felicidade privada. Pede que as mulheres sejam livres para definir a si mesmas - em lugar de terem sua identidade definida pela cultura e pelos homens que as cercam.

O fato de estes assuntos continuarem sendo tão incendiários deveria bastar para mostrar que a mulher ainda tem um longo caminho a percorrer antes de entrar na terra prometida da igualdade.

*Trecho de BACKLASH - O contra-ataque na guerra não declarada contra as mulheres, de Susan Faludi, Editora Rocco.

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